O novo CPC reduzirá o trabalho do bom magistrado

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É uma falácia a crítica que alguns magistrados têm feito ao CPC 2015, no que concerne a uma explícita determinação de fundamentação adequada, bem como, na determinação aos tribunais para que façam o máximo esforço para julgar o mérito dos recursos. As críticas chegam ao ponto de, segundo noticia a imprensa[1], os ministros do STF pedirem um aumento da vacaio legis.
As críticas recaem especialmente sobre as consequências de duas normas principais. A contida no parágrafo 1º do artigo 489, que considera não fundamentada a decisão judicial que: (I) se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo; (II) empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; (III) invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; (IV) não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo; (V) se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; (VI) deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. A outra norma criticada é o parágrafo único do artigo 932, que determina ao relator, antes de considerar inadmissível o recurso, conceder prazo de 5 dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. Estas normas se repetem por diversas vezes ao longo do CPC 2015, como por exemplo no artigo 11 e nos parágrafos do artigo 1.007 do CPC 2015.
O CPC 2015, neste tópico, é apenas uma reação à jurisprudência defensiva dos tribunais superiores, cujos maiores esforços nos últimos tempos têm sido o de construir uma forma de “julgar” a enxurrada de recursos que recebem, ainda que esta “forma” implique em não fundamentar as decisões judiciais[2] e não julgar o mérito dos recursos, simplesmente inadmitindo-os, seja porque o preenchimento da guia de recolhimento das custas se deu com o código errado da unidade favorecida e em descumprimento a uma resolução de tribunal[3], ou ainda porque a parte não ratificou o seu recurso, anteriormente proposto, após julgamento de embargos da parte adversa, mesmo que o julgamento nada tenha alterado na decisão recorrida[4] etc, etc, etc.
Noutra perspectiva, muitos magistrados que conheço, entre eles, apenas a título de exemplo, cito os juízes federais e meus colegas professores da Faculdade de Direito da UFBA Nilza Reis e Wilson Alves de Souza[5], por diversas, reiteraram que sempre fundamentaram na forma prevista no CPC 2015, até porque as referidas normas apenas “restabelecem” os direitos processuais fundamentais decorrentes da garantia de amplo acesso à Justiça e da efetividade da tutela jurisdicional (artigo 5º, XXXV, da CF) e da garantia de fundamentação das decisões judiciais (artigos 5º, LIV, e 93, IX, da CF).
O maior equívoco das críticas de alguns magistrados se pauta na censura ao aumento do trabalho, até mesmo porque as modificações não pioram o sistema, ao contrário, o melhoram. Ocorre que, analisado sistematicamente as alterações do CPC 2015 não haverá aumento de trabalho, ao contrário, é possível haver uma redução enorme a médio e longo prazo. O equívoco da crença no aumento do trabalho nasce por se pensar na fundamentação exigida no artigo 489 do CPC 2015 com a cabeça no CPC 1973.
Se, de um lado, o CPC 2015 reafirma o dever fundamental constitucional de o Poder Judiciário prestar a tutela jurisdicional de forma adequada e fundamentada, de outro lado, ele concede ao Poder Judiciário instrumentos para acabar com as demandas de volume e punir severamente os litigantes habituais que o fazem apenas por descrédito na própria capacidade de resposta do Poder Judiciário.
A primeira alteração fundamental a ser levada em conta é a sistematização de um sistema de precedentes à brasileira, especialmente pelas normas previstas no artigo 926 e seguintes do CPC 2015, que institui aos tribunais um dever de uniformização jurisprudência, inclusive mediante a edição de enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
Este mesmo sistema obriga aos juízes e aos tribunais a observância dos precedentes, ora reconhecidos como precedentes obrigatórios ou vinculantes, com no caso das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, dos enunciados da súmula vinculante[6]; dos acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos e das orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os magistrados estiverem vinculados; ora reconhecidos como precedentes com alto grau de persuasão, como os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional.
A função de fixação das teses jurídicas e instituição de precedentes vinculantes, antes restrita ao STF e STJ com as ações diretas de inconstitucionalidade, as súmulas vinculantes e os recursos especiais e extraordinário repetitivos, é estendida também aos tribunais de justiça e aos tribunais regionais federais (quiçá também ao TST e aos TRT’s, se eles decidirem pela aplicação subsidiária ou supletiva do CPC 2015). O novo incidente de assunção de competência (parágrafo 3º do artigo 947 do CPC 2015), o incidente de arguição de inconstitucionalidade (parágrafo único do artigo 949 do CPC) e o novo incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo 985 do CPC 2015) são capazes de criar precedentes obrigatórios para o próprio tribunal e para os juízes a eles vinculados.
E mais, todos os tribunais passam a poder julgar reclamações para preservação da sua jurisprudência (artigo 988 do CPC) e os recursos cuja tema discutido se assente em questões de direito, com precedente vinculante já fixado, passam a ser decididos monocraticamente pelo relator, sem a necessidade de serem levados a plenário para julgamento colegiado (artigo 932, IV e V, do CPC 2015).
Na perspectiva do magistrado de primeiro grau, o sistema de precedentes autoriza julgamento imediato das causas cujas teses jurídicas já forma fixadas em precedentes obrigatório, desde que, por óbvio, não haja necessidade de instrução probatória. Tal pode ser dar através da tutela de evidência (artigo 311 do CPC 2015), através da improcedência liminar do pedido (artigo 332 do CPC 2015) ou ainda através do julgamento antecipado parcial do mérito (artigo 356 do CPC 2015), que também permitirá o julgamento abreviado de parte da demanda em qualquer hipótese de discussão restrita exclusivamente a questão de direito.
Agrega-se a tudo isto a nova sistemática do CPC 2015 que sobreleva a importância dos meios alternativos de resolução de conflitos (parágrafo 3º do artigo 3º do CPC 2015), incentivando de sobremaneira a auto composição, especialmente porque, doravante, o réu será citado para comparecer a uma audiência de conciliação (artigo 334 do CPC 2015). Lembre-se, ainda, do incentivo à arbitragem, com o reconhecimento de seus princípios (artigos 3º, parágrafos 1º e 2º e 189, IV), a previsão da carta arbitral (parágrafo 3º do artigo 260 do CPC 2015), a melhor sistematização dos recursos contra decisões judiciais que tratem de questões arbitrais (artigos 1.012, parágrafo 1º, IV e artigo 1.015, III) e as importantes alterações trazidas na Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) pela Lei 13.129/2015. Ainda na seara dos meios alternativos de solução de conflitos, não se pode olvidar a Lei 13.140/2015, Lei da Mediação, que incentiva e permite a mediação judicial e a extrajudicial.
Para fechar o sistema, as partes passam a ser obrigado expressamente a respeitar o princípio da lealdade processual (artigo 5º do CPC 2015) e os magistrados passam a ter amplos poderes para coibir a litigância de má-fé (artigos 79 a 81 do CPC 2015), especialmente atos que possuam caráter apenas procrastinatório, com a possibilidade de aplicação de multa por agravo interno (parágrafos 4º e 5º do artigo 1.021 do CPC 2015) e embargos de declaração (parárafos 2º, 3º e 4º do artigo 1.026 do CPC 2015) considerados procrastinatórios, bem como instrumentos para fazer efetivas suas decisões e sancionar severamente os atos atentatórios à dignidade da jurisdição (parágrafos do artigo 77 do CPC 2015).
O CPC 2015, com uma mão, reduz o trabalho, pois dá ao magistrado um eficiente sistema de julgamento para as demandas de massa e repetitivas, além de conceder importantes instrumentos de aceleração dos julgamentos, especialmente no que concerne à rápida decisão das questões de direito, que antes levavam anos para se pacificar se seio morros do Judiciário, como por exemplo se deu com os expurgos inflacionários.
Com a outra mão, o CPC 2015 aumenta o trabalho ao exigir do magistrado dever de fundamentação adequada para as questões residuais (aquilo que não se conciliou ou não se tem tese jurídica fixada), especialmente com um retorno da importância do caso concreto e das questões de fato, tudo isso sem admitir o comportamento desleal das partes.
No balanço geral, certamente o CPC 2015 reduzirá o trabalho do bom magistrado, permitindo a instituição de marcos de segurança jurídica capazes de desestimular as aventuras e coibir o desrespeito deliberado do ordenamento jurídico, não poucas vezes pelo próprio Estado do qual emana este ordenamento, outras vezes como estratégia empresarial ou pessoal de se beneficiar da morosidade e da inefetividade do Judiciário.
Se, nos dias atuais e com o CPC 1973, o STF consegue julgar 17 recursos com repercussão geral reconhecida a assim liberar 21.988 outros processos[7], imagine o que é possível fazer se o sistema de precedentes e o CPC 2015 forem levados a sério.
Por fim, é imprescindível também escolhermos o modelo de Poder Judiciário que queremos. Teremos um Judiciário que resolve o excesso de demandas sem julgá-las ou sem fundamentá-las, o que nos leva a ser o país do “vá procurar os seus direitos no Judiciário”, ou seremos um pais que, a despeito das dificuldades, construirá um Judiciário respeitado e que se respeita?
[1] Ver o jornal Folha de São Paulo de 23 de junho de 2015, suas repercussões em www.migalhas.com.br/informativo/3641 e www.oab.org.br/noticia/28537/deu-na-folha-oab-contra-adiamento-do-novo-cpc e também em veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/por-que-adiar-a-vigencia-do-novo-codigo-de-processo-civil-ou-logo-stf-e-stj-viram-tribunais-de-pequenas-causas/
[2] Ver, por exemplo, a decisão tomada em sede de repercussão geral tomada no ARE 794364 RG / DF, publicado em 25/03/2014, de relatoria do Min. Teori Zavascki, ao reafirmar a jurisprudência do STF na aceitação da fundamentação sucinta e na inadmissibilidade de recurso extraordinário para defesa de direito fundamental quando a ofensa é reflexa: “Não há violação ao art. 93, IX, da Constituição Federal, por suposta omissão não sanada pelo acórdão recorrido ante o entendimento da Corte que exige, tão somente, sua fundamentação, ainda que sucinta (AI 791.292 QO-RG/PE, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 13.8.2010). 3. Incabível, em recurso extraordinário, apreciar violação aos arts. 5º, II, XXXV, LIV e LV, e 37, caput, da Constituição Federal, em razão de necessidade de revisão da interpretação das normas infraconstitucionais pertinentes (AI 796.905-AgR/PE, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 21.5.2012; AI 622.814-AgR/PR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 08.3.2012; ARE 642.062-AgR/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 19.8.2011)”.
[3] Neste sentido o julgamento do AgRg no REsp 1501186 / RS, de relatoria do Ministro Og Fernandes: “2. No caso em análise, porém, foram juntadas duas guias de recolhimento com códigos distintos dos exigidos pela Resolução STJ n. 1/2011 e ambas estabelecem, como unidade favorecida, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região”.
[4] Nesse sentido Enunciado nº. 418 da Súmula da jurisprudência do STJ: “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação”, enunciado esse expressamente prejudicado pelo § 5º do artigo 1.024 do CPC 2015.
[5] Importante fazer referência a corajosa obra do professor Wilson Alves de Souza intitulada Sentença Civil Imotivada, em 2ª edição publicada pela Editora Dois de Julho, na qual aborda a relevância da fundamentação das decisões judiciais num estado democrático de direito.
[6] Temos uma crítica severa à concepção dominante de que as súmulas constituem precedentes judiciais, nesse sentido ver o nosso Súmula não é precedente, publicado originalmente na versão digital do jornal Correio Brasiliense e acessível em www.lgg.adv.br/lggnews/lgg-no-correio-braziliense-artigo-sumula-nao-e-precedente-de-mauricio-dantas-goes-e-goes/ ou em www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia.php?not=289012
[7] Ver www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=294856
Por Maurício Dantas Góes e Góes, advogado mestre em Direito Público, sócio fundador do escritório Lapa & Góes e Góes Advogados Associados, e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 15 de julho de 2015, 7h17
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15 de julho de 2015 |

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