Arbitragem tributária é um caminho a ser explorado

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A morosidade do Judiciário é notória e indiscutível. Demandas judiciais levam anos a fio para serem julgadas. Tanto é assim que, recentemente, mudanças legislativas têm tido como propósito a busca de meios e filtros para evitar que os casos pendentes alcancem nossos tribunais superiores, como toda a sistemática para julgamento de demandas repetitivas prevista no Código de Processo Civil de 2015. E, como consequência profilática, os meios alternativos de solução de controvérsias vêm sendo aprimorados e cada vez mais incentivados.
Falar em morosidade do Judiciário esbarra, por certo, nos executivos fiscais. Não apenas as pessoas jurídicas de direito público executam seus créditos tributários por meio de execução fiscal, mas também entidades de classe que abarrotam as prateleiras das varas especializadas para cobrança de créditos de valores reduzidos. Segundo estudo Justiça em Números[1], do CNJ, em 2016 as execuções fiscais representavam 39% de todos os casos judiciais pendentes no Brasil e 75% das execuções pendentes no Judiciário, apresentando taxa de congestionamento de 91,9% (ou seja, de cada 100 executivos fiscais que tramitava em 2015, apenas 8 foram baixados).
Como forma de evitar a prescrição de créditos, os legitimados ajuízam ações executivas sem dados atualizados, corretos e precisos sobre os executados. O Judiciário, não podendo se furtar ao processamento das causas, envida esforços para localizar os supostos devedores. E as prateleiras do Judiciário vão acumulando executivos fiscais. Conforme demonstra o citado relatório do CNJ, no caso dos executivos fiscais, “o processo judicial acaba por repetir etapas e providências de localização do devedor ou patrimônio capaz de satisfazer o crédito tributário já adotadas pela administração fazendária ou pelo conselho de fiscalização profissional sem sucesso, de modo que chegam ao Judiciário justamente aqueles títulos cujas dívidas já são antigas, e por consequência, mais difíceis de serem recuperadas”.
Em contrapartida aos inevitáveis males gerados no Judiciário, o executivo fiscal é pouco efetivo — para não dizer absolutamente ineficiente, o que desmotiva o investimento econômico, tanto pela imprevisibilidade de custos, quanto pela imprevisibilidade do tempo de decisão dos litígios. O estudo do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (Cebepej) feito para o Ministério da Justiça em 2007, com apoio do Banco Mundial, mostrava que a arrecadação decorrente de execuções fiscais não atingia 1% do estoque da dívida ativa dos diversos entes federados. Impresso divulgado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional mostra que, durante o ano de 2011, recuperou-se via cobrança judicial apenas 1,37% do valor total inscrito em dívida ativa[2].
No entanto, como no Brasil não há meios alternativos ao judicial para discussão dos créditos tributários após finalizada a disputa perante tribunais administrativos, não há expectativa de melhora desse cenário atual: lentidão e abarrotamento do Judiciário por execuções fiscais. Pelo contrário, a recente deflagração de corrupção no principal tribunal administrativo tributário brasileiro, pela operação selotes da Polícia Federal, vem despejando mais disputas tributárias e com valores incrivelmente expressivos no Judiciário.
É nesse cenário que o Comitê Brasileiro de Arbitragem abriu espaço para criação de grupo de estudos voltado ao exame da arbitragem tributária. A primeira missão será analisar o cabimento e os desafios para a implementação da arbitragem tributária. Após, será necessário examinar em que espécies de disputas tributárias a arbitragem poderia ser utilizada. Espera-se que, num futuro não tão distante, o grupo possa estudar a arbitragem tributária posta em prática.
Pois bem. Superado o desafio da aferição da disputa tributária como arbitrável e em que medidas, será preciso avaliar se alguma mudança legislativa, e em que extensão, seria recomendável para tornar a arbitragem tributária uma realidade viável — afinal, o Direito Tributário é regido pelo princípio da estrita legalidade, e as respectivas normas gerais devem ser estabelecidas privativamente por lei complementar, conforme artigo 146 da Constituição Federal.
Embora seja teoricamente possível pensar na introdução da arbitragem tributária com o atual arcabouço legislativo, parece-nos que, sobretudo, sob o ponto de vista das autoridades fiscais, a regulamentação legislativa da arbitragem tributária e de seus efeitos — sejam eles processuais e/ou administrativo-sancionatórios — a tornarão um mecanismo de solução de controvérsia legítimo, eficaz e bem-sucedido no Brasil.
Não podemos, no mais, simplesmente ignorar que a arbitragem não terá apelo a contribuintes que, por exemplo, não puderem renovar sua certidão de regularidade fiscal e ficarem à mercê de bloqueio de bens e contas enquanto pendente procedimento arbitral por mera falta de previsão normativa (especificamente no artigo 151, do Código Tributário Nacional) da respectiva causa da suspensão da exigibilidade do débito em discussão. Adicionalmente, a sentença arbitral deve ser apta a constituir créditos em favor dos contribuintes, em complementação às hipóteses hoje previstas no artigo 165, do CTN.
De outro lado, tampouco terá apelo ao ente público fazendário se a opção pela disputa arbitral não interromper (ou no mínimo suspender) o prazo para cobrança do débito tributário previsto no artigo 174, do CTN.
E o momento propício à arbitragem em matéria tributária reside não só na ineficiência do processo tributário (administrativo e judicial), mas pela necessidade de adequação do Brasil ao fornecimento de tratamento adequado aos conflitos, cumprindo também as diretrizes da ação 14 do Beps, relatório da OCDE produzido a pedido dos participantes do G20, que inclui o Brasil.
É dizer, o Brasil está obrigado a modificar sua postura na solução de conflitos em matéria tributária, especialmente no plano internacional, vez que vem adiando (injustificadamente) a adoção de medidas como a implementação da arbitragem no plano do Modelo de Convenção da OCDE desde a atualização de 2010.
Da mesma forma, o estabelecimento de um roteiro para o chamado procedimento amigável no campo da aplicação dos CDIs (convenções para evitar a dupla tributação), que ocorreu com a edição da Instrução Normativa RFB 1.669/2016, não atinge tal desiderato, vez que tal conceito está em fase de superação, como bem apontado no painel do Subject 1 do Congresso Anual da IFA de 2016 em Madri, prioritariamente pela sua ineficácia e pequena abrangência.
Logo, o Brasil necessita criar uma cultura de arbitragem em matéria tributária para estar em linha com o mandamento da Ação 14 do Beps, lembrando que a arbitragem mandatória em matéria tributária internacional virá no âmbito do tratado multilateral previsto na Ação 15.
É nesse contexto que nós, do Grupo de Estudos de Arbitragem em Direito Tributário, iniciamos um aprofundado estudo do instituto, sendo certo que buscando dialogar com todos os agentes envolvidos, na pretensão de que o Brasil se insira no contexto mundial de melhorar o ambiente contencioso fiscal, mormente rumo a uma tributação participativa, justa e efetiva.
[1] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/10/b8f46be3dbbff344931a933579915488.pdf>. Acesso em 13/4/2016.
[2] A PGFN em Números. Disponível em: <www.pgfn.gov.br/noticias/PGFN%20Em%20Numeros%20-%202011.pdf>. Acesso em 20/3/2012.
Por Grupo de Estudos em Arbitragem Tributária do CBAr, coordenado por Priscila Faricelli e composto de Ada Pellegrini Grinover, Ana Claudia Akie Utumi, Ana Paula Pasinatto, Andréa Mascitto, Douglas Mota, Fabio Artigas Grillo, Felipe Porto Reis, Gabriela Silva de Lemos, Geraldo Valentim Neto, Gustavo Perez Tavares, Henrique Silva de Oliveira, Jonathan Vita, Jorge Khauaja, Marcelo R. Escobar, Martha Deliberador, Nélida Santos, Paula Cardozo e Vanessa Cardoso.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 11 de julho de 2017, 7h33
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11 de julho de 2017 |

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