Mediação na Administração Pública

0
AdamNews – Divulgação exclusiva de notícias para clientes e parceiros!
O presente ensaio tem por objetivo analisar, criticamente, a recente posição adotada pela AGU, relativa ao INSS e ao INPI, que coloca em risco a efetividade da mediação e do próprio Novo Código de Processo Civil (NCPC).
Em recente ofício expedido pela Advocacia Geral da União (AGU) e assinado pela Procuradoria Regional Federal da 2ª Região, Dra. Lucila Carvalho Medeiros da Rocha, a AGU deixa consignado desde logo o desinteresse do INSS e do INPI na realização de “audiências prévias” previstas no artigo 334 do NCPC.
O referido dispositivo legal estabelece que, se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
Como se sabe, a audiência só não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual ou quando não se admitir a autocomposição (§ 4º, I e II).
Pois bem, como base no referido ofício, alguns Magistrados Federais estão determinando diretamente a citação do INPI, deixando de designar audiência de mediação ou conciliação.
Em linhas gerais, a AGU defende que, em âmbito público, a autocomposição somente pode ser realizada quando houver norma expressa autorizando a Administração Pública a assim proceder. Além disso, sustenta que a autonomia do advogado público federal para transação é limitada pela Lei nº 9.469/1997 e por normas internas, como, por exemplo, a Portaria AGU nº 109/2007 e a Portaria PGF nº 915/2009.
Nada obstante, a AGU pondera que a realização de audiências preliminares sem resultado prático prejudica a celeridade processual e organização do trabalho, “diante da inexistência de Procuradores em número suficiente para comparecer às aludidas audiências, e os próprios autores, em sua maioria idosos e enfermos”.
Com todo o respeito, não concordamos com tal orientação e o tema exige uma maior reflexão.
Primeiramente, vale destacar que o NCPC estabelece, logo em seu capítulo inicial intitulado “Das Normas Fundamentais do Processo Civil”, que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, devendo a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, §§ 2º e 3º).
Ou seja, o estímulo aos métodos alternativos de solução de conflitos é regra nuclear do NCPC, que deve ser observada por todos os agentes do processo, sem qualquer distinção. Aliás, os artigos 174 do NCPC e 32 da Lei nº 13.140/15 (Lei de Mediação) preveem expressamente a necessidade de criação de Câmaras de conciliação/mediação pelos entes públicos.
Por outro lado, nem todo interesse público é um direito indisponível, sendo certo que os direitos indisponíveis também admitem transação, exigindo-se, nesse caso, a homologação judicial, com a prévia oitiva do Ministério Público (art. 3º, § 2º, da Lei nº 13.140/15).
Enquanto, na sua concepção clássica, a ideia de Estado de Direito estava intimamente vinculada à submissão da Administração Pública à legalidade, hoje, no Estado Democrático de Direito, além do respeito à lei e à Constituição, deve a atividade administrativa pautar-se por uma legitimidade reforçada.
É a necessidade de conferir maior legitimidade à atuação do Poder Público, no contexto de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, que leva ao surgimento de novos mecanismos de participação popular na elaboração de normas e na tomada de decisões administrativas, assim como o incremento de meios consensuais de atuação administrativa.
A busca pelo consenso acarreta mudanças, inclusive, na mentalidade dos agentes públicos e na estrutura da Administração Pública. Nesse sentido, a própria estrutura orgânica da AGU conta, por exemplo, com a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF).
A consensualidade administrativa tem sido efetivada pelos acordos administrativos que não colidem com o princípio da indisponibilidade do interesse público. Em razão da pluralidade de interesses públicos e da necessidade de maior eficiência na ação administrativa, a legitimidade dos atos estatais não está restrita ao cumprimento da letra fria da lei, devendo respeitar o ordenamento jurídico em sua totalidade (juridicidade).
Por esta razão, a ponderação entre os interesses conflitantes justifica a celebração de acordos por parte da Administração Pública, tais como: Termo de Ajustamento de Condutas (TAC): art. 5.º, § 6.º, da Lei 7.347/1985; Termo de Compromisso: art. 11, § 5.º, da Lei 6.385/1976 (Comissão de Valores Mobiliários – CVM); Acordos terminativos de processos administrativos: art. 46 da Lei 5.427/2009 (Lei do Processo Administrativo do Estado do Rio de Janeiro); Termo do compromisso de cessação de prática e acordo de leniência: arts. 85 e 86 da Lei 12.529/2011 (Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC); Acordo de leniência: art. 16 da Lei 12.846/2013 (Lei Anticorrupção); Acordos e conciliação em setores regulados: art. 93, XV, da Lei nº 9.472/1997 (ANATEL), art. 43, X, da Lei nº 9.478/1997 (ANP), art. 29 da Lei 9.656/1998 (ANS), etc.[1]
Ressalte-se, inclusive, a recente revogação do § 1.º do art. 17 da Lei 8.429/1992 (LIA) pela MP 703/2015, viabilizando, agora, a celebração de transação nas ações de improbidade administrativa.
No tocante à conciliação e mediação em ações judiciais envolvendo a Administração Pública, a autorização legal é expressa no NCPC e na Lei 13.140/2015, cabendo ressaltar que, no caso específico da Administração federal, a AGU deve adotar as medidas necessárias para efetividade da autocomposição dos conflitos, na forma do art. 4º, VI, da LC 73/1993, da Lei 9.469/1997, alterada pela Lei da Mediação, e do Decreto 7.392/2010.
Especificamente em relação ao INPI, seus procuradores devem incentivar e estimular os métodos alternativos de resolução de conflitos.
Até porque, o próprio INPI, no curso de demandas judiciais, muitas vezes concorda com a própria tese autoral e postula a procedência do pedido formulado na petição inicial.
Mais do que isso, o INPI já vem celebrando acordos judiciais com os litigantes, encerrando as respectivas demandas judiciais. Como exemplo, podemos citar casos em que a Autarquia assinou acordos a) reconhecendo que as patentes de determinada ação de nulidade não eram mailbox; b) concordando com o pedido alternativo por ela formulado (para redução do prazo de vigência da patente); c) admitindo que a própria decisão administrativa havia sido equivocada, ficando, nesse caso, a patente mantida com quadro reivindicatório distinto, entre outros.
Na área de marcas, podemos destacar o Parecer Técnico do INPI/CPAPD nº 001/2012, que autoriza a Autarquia a admitir “acordos de coexistência” – ainda que como subsídios ao exame de registrabilidade do sinal requerido como marca ou para fins de eventual recurso contra indeferimento –, desde que não prejudiquem os consumidores e os titulares da marca. Uma interpretação a contrario sensu, portanto, revela que a própria Diretoria de Marcas do INPI admite a possibilidade de solução consensual do conflito.
Ademais, cumpre registrar que o INPI, por intermédio da Portaria nº 84/2013, instituiu o Regulamento de Mediação do INPI, expedindo as Instruções Normativas nºs 23 e 28, ambas de 2013, que, em síntese, dispõem sobre o processamento de pedido de mediação administrados pelo Centro de Arbitragem e Mediação da OMPI (Centro da OMPI), envolvendo controvérsias relativas a direitos marcários apresentadas perante aquela Autarquia.
Até onde se sabe, o projeto não foi para frente, mas não deixa de ser um indicativo de que existe o espírito de cooperação e de incentivo aos métodos alternativos (adequados) de solução de conflitos.
Para arrematar, vale pontuar que eventual déficit de mão de obra não pode ser um álibi para a violação dos princípios norteadores do NCPC, principalmente o estímulo aos métodos alternativos de solução de conflitos e a duração razoável do processo.
Se existe um problema de política pública e orçamentária, esse é um assunto a ser resolvido no campo político e administrativo. O que não se pode é, de antemão, ceifar o direito de autocomposição e sacrificar o direito à razoável duração do processo (artigos 5º, LXXVIII, da Carta Magna e 4º e 6º do NCPC), de forma genérica e abstrata, prejudicando o jurisdicionado.
Aliás, vale lembrar que, se o autor manifestar, na exordial, seu desinteresse na realização de audiência de conciliação/mediação e o INPI apresentar petição no mesmo sentido até 10 (dez) dias antes da audiência (art. 334, § 5º, do NCPC), o Juiz retirará a audiência de pauta e dará prosseguimento ao feito. Ou seja, num juízo de ponderação, não há que se falar em prejuízo à celeridade processual.
Nesse contexto, ao invés de manifestar, de forma irrestrita e incondicionada, o seu desinteresse pela não realização das audiências prévias, afastando de plano qualquer tentativa de conciliação ou de mediação, talvez fosse mais adequado a atualização dos regulamentos à luz do NCPC e da Lei 13.140/2015, que, como visto, incentivam a autocomposição no âmbito da Administração Pública, com a fixação de parâmetros para efetivação de acordos e soluções consensuais em litígios envolvendo propriedade industrial.
Em suma, o posicionamento da AGU materializado no ofício em questão, uma espécie de cartão vermelho preliminar ao consenso, está em total dissintonia com os princípios do NCPC e com o próprio comportamento do INPI ao longo do tempo.
[1] Sobre o tema, vide: OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo, 4. Ed., São Paulo: Método, 2016, p. 50/54 e 528/529.
Por Rafael Carvalho Rezende Oliveira e Marcelo Mazzola
Fonte: Gen Jurídico, 06/04/2016
Share Button
7 de abril de 2016 |

Deixe uma resposta

Idealizado e desenvolvido por Adam Sistemas.
Pular para a barra de ferramentas

Usamos cookies para garantir uma melhor experiência em nosso site. Leia nossa Política de Privacidade.
Você aceita?

Configurações de Cookie

A seguir, você pode escolher quais tipos de cookies permitem neste site. Clique no botão "Salvar configurações de cookies" para aplicar sua escolha.

FuncionalNosso site usa cookies funcionais. Esses cookies são necessários para permitir que nosso site funcione.

AnalíticoNosso site usa cookies analíticos para permitir a análise de nosso site e a otimização para o propósito de a.o. a usabilidade.

Mídia SocialNosso site coloca cookies de mídia social para mostrar conteúdo de terceiros, como YouTube e Facebook. Esses cookies podem rastrear seus dados pessoais.

PublicidadeNosso site coloca cookies de publicidade para mostrar anúncios de terceiros com base em seus interesses. Esses cookies podem rastrear seus dados pessoais.

OutrosNosso site coloca cookies de terceiros de outros serviços de terceiros que não são analíticos, mídia social ou publicidade.