Convenção da 158 OIT trata de tema já abordado e equacionado pela legislação

0
A Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho, de 1982, dispõe sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador.
Essa norma da OIT foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 68/1992 e promulgada pelo Decreto 1.855/1996.
Não obstante, o Decreto 2.100/1996 tornou público que a Convenção 158 deixou de vigorar no Brasil a partir de 20 de novembro de 1997, por ter sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada por esta em 20 de novembro de 1996.
Discute-se, entretanto, se essa denúncia, em si, é constitucional, matéria ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.625-3).
O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES), ao realizar controle incidental de constitucionalidade, chegou a aprovar a Súmula 42, assim prevendo:
“INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 2.100/96. DENÚNCIA UNILATERIAL DA CONVENÇÃO 158 DA OIT. A Convenção 158 da OIT é um tratado de direito humano social. A aprovação e ratificação de um tratado de direitos humanos é um ato complexo, necessitando da conjugação da vontade de dois Poderes (Legislativo e Executivo), em claro respeito ao princípio da separação dos poderes previsto no artigo 2º da CR/88, bem como ao sistema de freios e contrapesos (cheks and balances) consagrado na forma republicana de governo. Logo, a denúncia unilateral pelo Presidente da República (por meio de decreto) da Convenção 158 ratificada pelo Congresso Nacional é formalmente inconstitucional, por violação ao procedimento previsto no art. 49, I, da CF” (Arg Inc nº 0000570-31.2016.5.17.0000: acórdão referente à Súmula nº 42 disponibilizado no Caderno Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região – Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho nº 2153 às páginas 216/221, no dia 23 de janeiro de 2017, considerando-se publicado em 24 de janeiro de 2017).
Não obstante, o Pleno do TRT da 17ª Região, em sessão realizada em 1º de fevereiro de 2017, decidiu, por maioria absoluta, suspender os efeitos da referida Súmula 42[1].
Apesar da mencionada controvérsia a respeito da constitucionalidade da denúncia da Convenção 158 da OIT, cabe analisar, de forma técnica e jurídica, as consequências da despedida sem os requisitos nela previstos[2].
Primeiramente, é relevante esclarecer que, nos termos do art. 1º da Convenção 158 da OIT, deve-se dar efeito às suas disposições por meio da legislação nacional, exceto na medida em que essas disposições sejam aplicadas por meio de contratos coletivos (ou seja, convenções e acordos coletivos), laudos arbitrais ou sentenças judiciais, ou de qualquer outra forma de acordo com a prática nacional.
Observa-se, com isso, que nem todas as suas previsões são imediatamente aplicáveis, podendo algumas delas depender de regulamentação interna.
De todo modo, merece destaque o art. 4º da Convenção 158 da OIT, ao dispor que não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
Exige-se, portanto, a justificação do término da relação de emprego, cabendo ao empregador fundamentar a despedida do empregado com base em motivo subjetivo, isto é, disciplinar (art. 7º da Convenção 158 da OIT), ou objetivo, assim considerado o de ordem econômica, tecnológica, estrutural ou análoga (arts. 13 e 14 da Convenção 158 da OIT).
Nesse contexto, não se admite a despedida do empregado sem adequada justificativa, ou seja, não se permite a dispensa sem justa causa (quando ausente motivo disciplinar) e arbitrária (quando ausente motivo objetivo, de natureza econômica, tecnológica, estrutural ou análoga).
Além disso, em conformidade com o art. 8º, item 1, da Convenção 158 da OIT, o trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de trabalho terá o direito de recorrer contra este perante um organismo neutro, como, por exemplo, um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro.
Logo, no caso do Brasil, o empregado que não concordar com a sua despedida, considerando-a sem justificativa idônea, naturalmente, tem assegurado o acesso à justiça e o direito de propor ação perante a Justiça do Trabalho, em consonância com o art. 5º, inciso XXXV, e o art. 114 da Constituição da República. Permite-se, ademais, que o trabalhador submeta a sua demanda à Comissão de Conciliação Prévia (art. 625-D da CLT).
Ainda assim, o art. 10 da Convenção 158 da OIT prevê que se os organismos mencionados em seu art. 8º chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é injustificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a reintegração do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.
Portanto, mesmo que a dispensa seja considerada injustificada, vale dizer, sem justa causa e arbitrária, a própria norma internacional indica que deve ser observada a legislação nacional a respeito da matéria, pois nem sempre a consequência será a reintegração do empregado, podendo haver a previsão de indenização.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, no art. 7º, inciso I, estabelece como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a proteção da relação de emprego “contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos”.
Sendo assim, conforme o art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, inciso I, da Constituição da República, fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e § 1º, da Lei 5.107/1966.
Desse modo, a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, até a promulgação da referida lei complementar (o que ainda não ocorreu), em regra, ficou limitada à indenização de 40% calculada sobre os depósitos na conta vinculada do FGTS do empregado.
Nesse sentido, na atualidade, segundo o art. 18, § 1º, da Lei 8.036/1990, na hipótese de despedida pelo empregador sem justa causa, depositará este, na conta vinculada do trabalhador no FGTS, a importância igual a 40% do montante de todos os depósitos realizados na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos dos respectivos juros.
Em consonância com o sistema jurídico brasileiro, a rigor, o empregado tem direito à reintegração quando é titular de alguma estabilidade ou garantia de emprego (como nos casos de dirigente sindical, membro da CIPA, gestante, empregado acidentado, etc.) ou quando a dispensa é discriminatória (art. 4º da Lei 9.029/1995)[3].
Como se pode notar, ainda que se defenda a vigência da Convenção 158 da OIT, passando-se a exigir do empregador a justificativa idônea (de ordem subjetiva ou objetiva) para o término da relação de emprego, a consequência da despedida arbitrária ou sem justa causa, segundo o sistema jurídico em vigor, quando não há estabilidade, garantia de emprego, nem dispensa discriminatória, é o pagamento da indenização compensatória de 40% sobre o FGTS ao empregado (além do saque dos depósitos da conta vinculada, conforme art. 20, inciso I, da Lei 8.036/1990, e demais verbas rescisórias previstas em lei).
Trata-se de conclusão resultante da interpretação sistemática do ordenamento jurídico e não de preferência doutrinária ou ideológica.
A dispensa fundada em motivo subjetivo envolvendo o empregado, de ordem disciplinar, isto é, a despedida por justa causa, ou mesmo por culpa recíproca, já é disciplinada pela legislação trabalhista, como se observa nos arts. 483 e 484 da CLT e no art. 18, § 2º, da Lei 8.036/1990.
Espera-se, assim, que a lei complementar sobre a proteção da relação de emprego confira tratamento mais adequado a respeito do tema, estabelecendo a disciplina e as consequências, de forma específica, da despedida sem justa causa e arbitrária (sem motivos de ordem disciplinar nem objetiva) e da despedida sem justa causa, mas não arbitrária (ou seja, decorrente de fatores econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos).
[1] Disponível em: <http://www.trt17.jus.br/principal/comunicacao/noticias/conteudo/934-trt-es-suspende-efeitos-da-sumula-42>.
[2] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 685-692.
[3] Cf. Súmula 443 do TST: “Dispensa discriminatória. Presunção. Empregado portador de doença grave. Estigma ou preconceito. Direito à reintegração. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.
Por Gustavo Filipe Barbosa Garcia, livre-docente e doutor pela Faculdade de Direito da USP, pós-doutor e especialista em Direito pela Universidad de Sevilla, professor, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e membro pesquisador do IBDSCJ. Foi juiz, procurador e auditor fiscal do Trabalho.
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 6 de fevereiro de 2017, 12h38
AdamNews – Divulgação exclusiva de notícias para clientes e parceiros!
Share Button
6 de fevereiro de 2017 |

Deixe uma resposta

Idealizado e desenvolvido por Adam Sistemas.
Pular para a barra de ferramentas

Usamos cookies para garantir uma melhor experiência em nosso site. Leia nossa Política de Privacidade.
Você aceita?

Configurações de Cookie

A seguir, você pode escolher quais tipos de cookies permitem neste site. Clique no botão "Salvar configurações de cookies" para aplicar sua escolha.

FuncionalNosso site usa cookies funcionais. Esses cookies são necessários para permitir que nosso site funcione.

AnalíticoNosso site usa cookies analíticos para permitir a análise de nosso site e a otimização para o propósito de a.o. a usabilidade.

Mídia SocialNosso site coloca cookies de mídia social para mostrar conteúdo de terceiros, como YouTube e Facebook. Esses cookies podem rastrear seus dados pessoais.

PublicidadeNosso site coloca cookies de publicidade para mostrar anúncios de terceiros com base em seus interesses. Esses cookies podem rastrear seus dados pessoais.

OutrosNosso site coloca cookies de terceiros de outros serviços de terceiros que não são analíticos, mídia social ou publicidade.